Como Funcionam os Efeitos de Solo na Fórmula 1?
Houve inúmeros avanços no desempenho dos carros ao longo dos mais de 70 anos de história da Fórmula 1. Os designs inovadores dos carros da Lotus de Colin Chapman utilizaram a área sob o carro para criar força descendente por meio dos efeitos de solo, sendo um dos saltos evolutivos mais importantes que impulsionaram o esporte.
A ideia por trás dos efeitos de solo aproveitava o conceito de força descendente. As asas invertidas acima do carro, por exemplo, facilitam a força descendente, empurrando o veículo para baixo em direção à pista para melhorar a aderência durante as curvas. A evolução dos efeitos de solo começou quando os projetistas perceberam que criar uma área de baixa pressão entre o carro e o solo produziria o mesmo resultado.
Colin Chapman: Pioneiro dos Efeitos de Solo
O homem responsável por transformar essa ideia em realidade foi Colin Chapman, o saudoso fundador da Lotus. Historiadores do automobilismo notam que ele não foi o primeiro a usar a sucção gerada pelos efeitos de solo para fazer os carros contornarem curvas mais rápido: o Chaparral 2J de Jim Hall utilizou esse princípio com grande efeito na série de carros esportivos Can-Am já em 1970.
O design de Hall criava uma área de baixa pressão sob o carro removendo o ar debaixo do veículo com um par de ventiladores gigantescos. As equipes rivais não ficaram satisfeitas e alegaram que os ventiladores utilizados constituíam dispositivos aerodinâmicos móveis e, portanto, violavam os regulamentos. A entidade organizadora da Can-Am concordou com essa avaliação e baniu os carros de Hall ao final da temporada.
Na mesma época, a equipe BRM da F1 trabalhou em um carro cujo formato amplo exclusivo era uma asa invertida. O designer-chefe Tony Rudd supervisionou essa inovação. Isso proporcionou a Peter Wright, um aerodinamicista, liberdade total para desenvolver esse projeto secreto. No entanto, ele nunca chegou a ver a luz do dia: a direção da equipe decidiu que o projeto da BRM estava atrapalhando o trabalho com o chassi P139.
Introduzindo os Efeitos de Solo na F1
O primeiro a fazer a aerodinâmica do assoalho funcionar na F1 foi Chapman, cuja inspiração surgiu durante férias em 1975. Após sua epifania, ele encarregou Wright do trabalho, dando início ao projeto que culminaria no primeiro Lotus com efeito de solo: o lendário Lotus 78, desenvolvido em 1977.
Pouco era evidente apenas ao olhar para o veículo. As equipes adversárias levaram boa parte da temporada de 1977 para entender o que fazia esses carros, pilotados por Mario Andretti e Gunnar Nilsson, atingirem velocidades tão impressionantes. Andretti e Nilsson conquistaram uma e quatro vitórias, respectivamente, durante a temporada. Se o Lotus 78 fosse mais confiável, Andretti poderia ter sido campeão, ao invés de Niki Lauda da Ferrari.
O objetivo de Chapman com o Lotus 78 era acelerar o fluxo de ar para fora pela traseira do veículo utilizando o efeito venturi. Esse efeito dita que se um fluxo de ar for restringido, ele acelerará e sua pressão diminuirá. Esse fenômeno reduz a pressão do ar sob o carro e cria força descendente, também conhecida como sustentação negativa.
Os sidepods do Lotus 78 foram esculpidos como asas invertidas, com seu perfil se elevando para a traseira do veículo a fim de criar a forma venturi, acelerando o fluxo de ar sob o carro em direção à parte traseira. O ar podia escapar pelos lados do carro, o que reduzia o efeito venturi sem uma solução clara para esse aspecto do design. Chapman, juntamente com os engenheiros Rudd, Wright e Ralph Bellamy, projetou o 78 com sidepods mais longos que os dos concorrentes para evitar a perda do efeito venturi. Para isso, eles usaram cortinas—primeiramente feitas de cerdas e, mais tarde, unidades deslizantes sólidas—para criar uma vedação entre a pista e a base dos sidepods.
A equipe de design teve um momento de eureka quando, durante um experimento em túnel de vento, o piso móvel do túnel subiu e se prendeu à parte inferior do carro. Essa capacidade impressionante de sucção foi prova suficiente da eficácia do design. No entanto, uma grande desvantagem logo ficou evidente: o veículo não conseguia atingir sua velocidade máxima em linha reta. Contudo, o Lotus 78 compensava essa limitação com uma manobrabilidade incomparável nas curvas.
Sucessos em Campeonatos
Se o icônico Lotus 78 foi o carro que introduziu os efeitos de solo na Fórmula 1, então seu sucessor espiritual, o 79, foi o que otimizou seu uso. Dados divulgados anos depois revelaram que o que tornava os efeitos de solo do 79 tão eficazes era sua capacidade de gerar 200 libras de força descendente pelas asas traseiras, somadas a 100 libras pelas dianteiras, quando o carro alcançava 150 milhas por hora. Surpreendentes 400 libras de força eram aplicadas sob o carro para produzir efeitos de solo incomparáveis. Esse valor aumentou para 600 libras no ano seguinte, com o efeito solo eventualmente atingindo um pico inimaginável de 2.400 libras.
Graças à habilidade de Andretti e seu companheiro Ronnie Peterson, a Lotus venceu duas corridas em 1978 e seis em 1979. Andretti teve a honra de se tornar campeão mundial, com Peterson finalizando como vice, apesar de seu falecimento em Monza duas etapas antes do fim da temporada.
As equipes rivais, como a McLaren, não obtiveram o mesmo nível de sucesso imediato com seus primeiros carros com efeito solo. Outras, como a Brabham, reformularam a ideia, adotando uma filosofia de design próxima à do Chaparral 2J, o que inspirou a criação do BT46B para o GP da Suécia. O diferencial desse projeto era o gigantesco ventilador traseiro feito para puxar o ar debaixo do veículo. Apesar do sucesso do design, ele teve vida curta na pista, correndo apenas uma vez, com Niki Lauda ao volante, vencendo a corrida. Logo após a vitória, o BT46B foi proibido devido a dúvidas sobre sua legalidade.
Apesar desses obstáculos, os carros com efeito de solo e motores extremamente potentes permaneceram até o fim da temporada de F1 de 1982. A partir de 1983, a FIA ajustou os regulamentos para que todos os carros tivessem assoalhos planos, decretando o fim da era dos efeitos de solo.
Reintrodução dos Efeitos de Solo em 2022
Em 2022, a Fórmula 1 passou por uma de suas mudanças regulatórias mais significativas em décadas, com a reintrodução da aerodinâmica por efeito de solo. Essa medida teve como objetivo melhorar a competitividade geral do esporte, permitindo que os carros se seguissem mais de perto e aumentando o espetáculo das corridas.
Motivos para a Reintrodução
A principal motivação por trás do retorno dos efeitos de solo foi enfrentar o problema do “ar sujo”. Nos anos anteriores, os designs aerodinâmicos complexos dos carros de F1 geravam ar turbulento atrás deles, dificultando para os carros que vinham atrás manterem a força descendente e realizarem ultrapassagens. Isso resultava em corridas processionais com pouca ação. Os regulamentos de 2022 buscaram simplificar a aerodinâmica, tornando os carros menos dependentes de componentes aerodinâmicos superiores e, assim, reduzindo o efeito do ar sujo.
Mudanças Técnicas
Os carros de 2022 apresentam um assoalho totalmente redesenhado que gera uma parte significativa da força descendente por meio dos princípios dos efeitos de solo. Isso envolve canalizar o ar sob o carro de forma a criar baixa pressão, “sugando” o carro para o solo. As principais mudanças técnicas incluem:
- Túneis Venturi: O assoalho inclui túneis Venturi que aceleram o fluxo de ar por baixo, criando uma zona de baixa pressão que aumenta a força descendente sem necessidade de uma aerodinâmica superior complexa.
- Asas Dianteiras e Traseiras Simplificadas: Essas asas foram simplificadas para reduzir seu impacto no fluxo de ar para o carro que vem atrás, reduzindo o problema do ar sujo.
- Calotas e Defletores de Rodas: Calotas e defletores foram implementados para gerir melhor o fluxo de ar ao redor dos pneus, que são uma fonte significativa de turbulência aerodinâmica.
Essas mudanças foram projetadas para tornar as corridas mais próximas e emocionantes, permitindo que os carros se seguissem mais de perto sem perda significativa de desempenho.
Traduzido do artigo original em inglês “How Does Ground Effects Work In Formula 1?“